A redução tetraeletrônica de O2 a H2O é uma reação fundamental realizada pelos organismos vivos no final da cadeia respiratória, nas mitocôndrias. Do ponto de vista tecnológico, a realização da mesma reação em condições ambiente ainda continua sendo um dos grandes desafios para o desenvolvimento de células de combustíveis mais eficientes e de menor custo. De fato a redução de O2 diretamente a água é uma reação extremamente difícil, por ser um processo multieletrônico acoplado ao transporte de prótons. Mas, no final da década de 70, Collman e Anson sintetizaram uma cobalto porfirina [Co(P)] cofacial capaz de promover tal reação, quando adsorvida em eletrodos de carbono pirolítico. O mecanismo proposto por Anson e colaboradores após os estudos realizados variando-se a distância entre os planos dos anéis porfirínicos e os metais coordenados aos mesmos se baseia na ativação do O2 pela coordenação simultânea da mesma a dois sítios Co(II).
Contudo, outra hipótese plausível
para a ineficiência do processo de redução tetraeletrônica
é o fato do número de elétrons disponíveis
no catalisador ser insuficiente para promover aquela reação.
Assim, em 1987, foram iniciados no nosso Laboratório os estudos
com as meso-tetrapiridilporfirinas coordenadas a complexos metálicos,
na tentativa de se introduzir grupos doadores de elétrons nas porfirinas.
Para tal, foram coordenados quatro complexos [Ru(NH3)5]2+
ou [Ru(edta)] aos nitrogênios piridínicos
de M(4-TPyP)s, onde M = 2H+, Co3+ ou Fe3+.
Apesar das diversas estratégias de síntese empregadas não
foi possível desenvolver um método de obtenção
eficiente para os derivados de [Ru(NH3)5]2+,
tendo sido estudado apenas o derivado da base livre.
Porém, a reação do complexo [Ru(edta)(H2O)]
com Co(4-TPyP) e Fe(4-TPyP) levou à formação de compostos
muito solúveis em água. Estes foram caracterizados por espectroscopia
uv-vis e Raman ressonante, voltametria cíclica e espectroeletroquímica.
Os estudos catalíticos mostraram que a supermolécula [FeII-4-TPyP{Ru(edta)}4]
é um catalisador mais eficiente que as Fe(P) convencionais para
a redução de O2. O mesmo foi observado no caso
da espécie [CoII(4-TPyP){Ru(edta)}4] em solução,
mas este levou à formação apenas de água oxigenada.
Posteriormente, Anson e Shi mostraram que essa Co(P) tetrarutenada não
apresenta atividade para a redução tetraeletrônica
mesmo quando adsorvida sobre eletrodos de carbono pirolítico.
Anson e Shi tiveram sucesso na preparação in situ de eletrodos de carbono pirolítico modificados com [Co(4-TPyP){Ru(NH3)5}4]. Em contraste com o [CoII-4-TPyP{Ru(edta)}4], esta nova espécie se mostrou um eficiente catalisador para a redução tetraeletrônica de O2. Posteriormente, foi realizado um estudo sistemático variando-se o número de grupos [Ru(NH3)5]2+ coordenados, onde foi evidenciado a necessidade de se coordenar pelo menos três complexos para ativar a cobalto porfirina. Resultados análogos foram obtidos quando se utilizou meso-(4-cianofenil)porfirinato cobalto(II) ao invés de Co(4-TPyP) para preparar a supermolécula. Contudo, a presença de dois grupos metila nas posições 2 e 6 da fenila, fazendo com que este fique preferencialmente ortogonal ao anel porfirínico, transformou o catalisador tetraeletrônico em bieletrônico. Além disso, a espécie análoga (isômero) obtida com meso-(3-cianofenil)porfirinato cobalto(II) também catalisou apenas a redução de O2 a H2O2. Assim, foi sugerido que a ativação se deve principalmente ao efeito eletrônico de retrodoação dos complexos de rutênio(II) periféricos e não apenas ao número de elétrons disponíveis no catalisador para promover a redução tetraeletrônica.
Recentemente, as propriedades espectroscópicas,
eletroquímicas e eletrocatalíticas do Co(4-TPyP) coordenado
a quatro clusters [Ru3O(OAc)6(py)2], Co(TCP),
foram estudadas pelo Grupo. Este novo catalisador apresenta quatro pares
de ondas na faixa de 1,5 a 2,5 V, atribuídas aos processos
envolvendo os clusters de rutênio periféricos. O Co(TCP) é
solúvel em solventes orgânicos como metanol e acetonitrila,
mas forma filmes estáveis que resistem ao teste de aderência
utilizando uma fita adesiva tipo "Scotch" e, praticamente, não são
lixiviados mesmo após 100 varreduras sucessivas na faixa de 0,40
a 0,90 V.
A atividade eletrocatalítica do eletrodo modificado
com filme de Co(TCP) para a redução de O2 foi
estudada utilizando-se uma solução de KNO3 saturada
com ar. Uma intensa onda catódica foi observada em torno de 0,2
V quando o eletrodo modificado com Co(TCP) foi empregado, sendo a intensidade
de corrente de pico proporcional à raiz quadrada da velocidade de
varredura e consistente com um processo tetraeletrônico.
Os voltamogramas RDE, na faixa de 100 a 3000 rpm, apresentaram
perfil sigmoidal, característico de processos eletroquímicos
reversíveis, sugerindo que tanto o transporte de elétrons
através do filme quanto a transferência de elétrons
do filme para o O2 são rápidos. As retas obtidas
nos gráficos de Levich e Koutecky/Levich (até 4000 rpm) passam
pela origem e confirmam essa asserção. Em outras palavras,
a redução de O2 ocorre à medida que ele
alcança a interface filme/solução. O mecanismo tetraeletrônico
foi confirmado por voltametria de anel disco rotatório, tendo sido
detectado apenas uma quantidade insignificante de H2O2.
Em suma, os filmes de Co(TCP) apresentam uma extraordinária atividade
eletrocatalítica para redução tetraeletrônica
de O2 à H2O, inclusive superior ao da [Co(4-TPyP){Ru(NH3)5}4]
e espécies análogas imobilizadas em Nafion. A ativação
da Co(P) nessa supermolécula deve ser decorrente de fatores eletrônicos
induzidos pelos clusters periféricos, mas os efeitos de empacotamento
e interação bimetálica não podem ser descartados.
Apesar dos inúmeros estudos realizados até
o momento, ainda não existe uma explicação definitiva
para os fatores que de fato levam à ativação das Co(P)
como catalisadores para a redução do O2 à
H2O.